Por Pedro Cupolillo
A Medicina Veterinária possui diversas especialidades. O mercado de trabalho, em diversas cidades brasileiras, já exige que o médico-veterinário tenha mais de uma qualificação, além da graduação. Aprendemos o básico da maioria das especialidades na faculdade (ou pelo menos deveria ser assim). Alguns setores que devemos explorar, quiçá somos avisados da existência na maioria das faculdades: Marketing, Gestão de Clínica, Gestão de Pessoas, Desenvolvimento Pessoal, Gestão Financeira, etc.
Muitos estudantes optam pela Medicina Veterinária para lidar mais com os animais e menos com gente. Não é raro ouvir nos corredores das faculdades de Medicina Veterinária: “prefiro os animais”; “odeio gente”; “não tem que tratar o pet como filho”; “se o animal fosse sozinho ao veterinário, seria mais fácil”; “não sou psicólogo para aguentar os problemas do tutor”; “não quero ter que conversar com o tutor”. Frases essas que demonstram que estamos um passo atrás de descobrir o que realmente somos: gente.
Ao perceber que temos uma falha em cuidar das relações dessa tríade (médico-veterinário-tutor-animal), precisávamos nos reinventar para solucionar essa lacuna. Passou da hora de perceber que, se qualquer um dessa tríade não estiver bem, influencia no bem-estar dos outros dois. Foi daí que surgiu o Projeto Tamo Junto, da Veterinária Família Animal. Um projeto que visa auxiliar os médicos-veterinários, tutores e não menos importante, os estagiários, no trabalho de perda dos pacientes.
O Projeto Tamo Junto está em seu segundo ano de vida. No primeiro ano, tínhamos grupos de terapia para os médicos-veterinários e estagiários, para que fossem contadas as dificuldades de lidar com situações pontuais e que geravam estresse para os envolvidos. Foi lindo ver vários colegas e futuros colegas perdendo o preconceito e medo de “fazer terapia”. No segundo ano, mudamos a abordagem. Estamos identificando os médicos-veterinários e estagiários que podem estar com sintomas de Burnout e oferecendo-lhes uma oportunidade de trabalhar as suas dores com a terapia, de forma individual, o que possibilita uma sessão mais profunda.
Ao tutor que perde o seu pet e fica abalado, também aos que possuem dificuldades em casa que influenciam na saúde do seu pet, oferecemos uma sessão com a equipe da nossa psicóloga. Tomamos a iniciativa em um momento mais agradável (não imediatamente ao óbito), como forma de oferecer auxílio para suavizar as dores do luto. Caso o tutor queira continuar a terapia, ele é o responsável. É válido salientar que, às vezes, o pet que se foi era a sua única família. O resultado do projeto está sendo, na maioria das vezes, extraordinário.
Em uma simples conversa com o tutor, você descobre o grau de relação que ele tem com seu pet. Saber detalhes sobre esse grau de relação faz você se colocar no lugar do tutor e perceber que, às vezes, é “o filho que eles não puderam ter”, o “companheiro para todas as horas”, o “levante para uma depressão”, “a única herança dos pais que se foram”, “a única lembrança do filho que se foi”. A partir do momento que você se conectou com o paciente e cliente, fica difícil não sofrer junto com a perda. A empatia na relação da Tríade faz com que o médico-veterinário tenha mais confiabilidade nas conversões de tratamentos e de decisões importantes a serem tomadas.
Um bom exemplo dessa conexão é o que acontece numa eutanásia: sofre o tutor pela decisão, sofre o médico-veterinário pelo procedimento a ser realizado e pela perda do paciente antigo ou não, sofre o estagiário por não saber lidar com tal situação. O “aperto no peito” e “confusão na mente” gerados nesse momento de estresse precisam ser “trabalhados” e não “engolidos”. Todo estresse gerado que não é trabalhado pode somatizar e se tornar doença. Dentre as doenças, temos no “não saber lidar com a perda do paciente”, um dos estopins para a Síndrome de Burnout.
Abrir a mente para outras perspectivas de uma mesma situação faz com que tenhamos uma nova questão em jogo. Preocupar-se com os outros humanos (incluindo você mesmo), além do pet é sim uma opção que vai agregar valor moral ao seu estabelecimento. Não dá pra brincar com os sentimentos de nenhum ser. Precisamos nos desenvolver, evoluir e sair da inércia. Ainda dá tempo. Não generalizo, pois tem crescido o número de médicos-veterinários em busca da evolução pessoal e, consequentemente, das relações humanas. A percepção que a base do real problema pode não estar nos tutores, mercado de trabalho, desvalorização, estresse do trabalho, CRMV, é importantíssima para demonstrar que, na verdade, pode estar dentro de você há muito tempo.
Referências:
Pedro Cupolillo – Médico-veterinário graduado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pós-graduado pela ANCLIVEPA-SP em Cirurgia de Tecidos Moles. Clínico-cirurgião da Veterinária Família Animal. Muitas palestras/cursos de diversas áreas dentro da Medicina Veterinária. Muitos treinamentos/cursos/palestras de Desenvolvimento Pessoal, que não tem nada a ver com a Medicina Veterinária e sim com a evolução pessoal. É facilitador do Projeto Sobre(o)Viver do CRMV-RJ.