Você tem um ‘cachorro preto’, doc?

Navegando pelo site da Organização Pan-americana de Saúde e entretida na temática que inspira o “Projeto Sobre(o)Viver”, deparei-me com este tópico que aborda o “Plano de Ação sobre Saúde Mental” e objetiva orientar intervenções nos casos de ansiedade e depressão:

https://www.paho.org/pt/topicos/depressao

Ao final do artigo, o vídeo merece destaque:

                            “Eu tenho um cachorro preto e seu nome é depressão”

Curiosamente, há relatos de que o primeiro uso da expressão “black dog” para descrever melancolia e depressão tenha sido em 1776, por Samuel Johnson no Oxford English Dictionary. Seu renomado biógrafo, J. Boswell, sugere que tal inspiração tenha vindo da obra “A Anatomia da Melancolia”, escrita em 1621 por Robert Burton. A metáfora, inspirada ou não pelo clássico estudo da saúde mental, foi de fato citada nas correspondências entre Dr Johnson e amigos, constatando que ele apelidava a sua melancolia de “o cachorro preto”.

A imagem desta criatura folclórica e assombrosa, seja na mitologia, na fantasia ou na ficção de terror, é ainda utilizada no século XXI. Um exemplo disso nos apresenta o bem conceituado trabalho “Journeys with the black dog”, ao que parece ainda sem edição na língua portuguesa. Os autores são vinculados ao “Black Dog Institute”, unidade dos transtornos do humor, afiliada à UNSW, em Sidney, Australia

www.blackdoginstitute.org.au

Também os livros do desenhista Matthew Johnstone (@drawnfromexperience) podem ajudar, de forma leve e gentil, na conquista de nossa saúde mental e equilíbrio emocional:

Para mais ilustrar a propagação do termo “black dog”, constantes associações feitas a Winston Churchill seguem alimentando a literatura e sites, e justificam a popularidade que a expressão alcança até os dias atuais.

Contudo, a maioria dos biógrafos oficiais do britânico afirma que o ‘cão preto de Churchill ‘ o tenha afetado apenas de forma transitória, nunca incapacitante, haja vista a resiliência, coragem e liderança do estadista em momentos de grande crise.

O que então justifica sua resistência e superação nos períodos de adversidade ou desânimo? Notória é a presença de elementos estabilizadores na vida do famoso político, com destaque para a família, a escrita e a pintura, conforme ele mesmo relata em seu livro “Pintar como passatempo”:

“Fala-se muito em remédios para evitar a ansiedade e a sobrecarga mental de quem tem nas costas responsabilidades excepcionais e deveres de largo bordo por períodos longos. Alguns recomendam exercícios, outros recomendam repouso. Há os que aconselham viagens, outros louvam o recolhimento. Uns preconizam a solidão, outros, convívio e festas. Sem dúvida, todos esses recursos podem cumprir o papel conforme o temperamento do indivíduo. Mas o elemento constante e comum em todos é: Mudança. 

Mudar é a chave-mestra. É possível desgastar-se uma determinada parte da mente usando-a continuamente, gastando-a tal como aos cotovelos de um paletó. Há, no entanto, a diferença entre células vivas do cérebro e peças inânimes: não se podem consertar os cotovelos puídos de um casaco esfregando e atritando-lhe mangas e ombros; mas a parte esgotada da mente pode ser restaurada e fortalecida pelo uso das outras partes e não só pelo mero repouso. Não basta desligar a luz que incide sobre o principal e costumeiro ponto de interesse; é necessário iluminar um novo campo de interesse.”

E assim prossegue o ex primeiro-ministro que alcançou prestígio mundial pela forma como conduziu o governo no conturbado período da Segunda Guerra Mundial:

“Um talentoso psicólogo americano disse: ‘A preocupação é um espasmo emocional; a mente prende uma coisa e não solta’. É inútil argumentar com a mente nessas condições. Cabe apenas introduzir suavemente alguma coisa mais por entre seu aperto convulsivo. E se esse algo for corretamente escolhido, se atender à iluminação de outro campo de interesse, gradualmente – muitas vezes até bem rápido – a habitual e incômoda pressão relaxa, e o processo de recuperação e conserto tem inicio…

…Para se estar realmente feliz e verdadeiramente a salvo, deve-se ter pelo menos dois ou três passatempos… a necessidade de um panorama alternativo, de uma mudança de ares, de um desvio do afã, é essencial. Na verdade, pode ser que aqueles cujo trabalho é o próprio divertimento sejam os que mais precisem, de tempos em tempos, dos meios para tirá-lo da cabeça.” (“Painting as a Pastime”, Sir Winston Churchill)

E nós, médicos veterinários, como temos atravessado as ‘sombras’? Já vimos que, embora o ‘black dog’ rosne alto, ele pode ser adestrado. Da mesma forma então, nossas dificuldades e medos podem ser administráveis com ajustes na rotina e com os tantos recursos vindos dos profissionais da área de saúde mental que visam treinar o resgate do equilíbrio em meio às adversidades.

E então, doc? Já escolheu aquele “passatempo” que o ajudará no alívio das pressões que precisamos encarar?

Andrea Marinho
CRMV-RJ 3721 

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